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domingo, 30 de dezembro de 2012

Esquece, pá!

Curta e inconsistente foi a conversa com o Domingos. Não mostrou a mínima satisfação, por lhe ter ligado, a desejar um Bom Ano, antes parecia aguardar o fim da chamada.
Queixou-se de velhice e desesperança, mais a crise, o roubo nas pensões de reforma. Mais as artroses, o mau funcionamento geral do serviço de saúde, e de todas as   vísceras...Ai! Ai! Ai!

Vamos encontrar um tema de conversa nas rapaziadas de outros tempos? arriscava eu. Balde de água fria: não se lembra,   nem se quer lembrar, de tais antanhos!
-Ó Felício, não contem com a minha memória para nada. Só nevoeiro...

Sabia lá com se chamava o cabreiro! O cabreiro? Que eu perdia tempo com cada coisa. Um cabreiro dos Santos?! Quase há sessenta anos?
-Na sê, pá!
Um que, a Vale de Lobos, atalhava com o rebanho, pela Besteira. A caminho da feira. Paragem obrigatória na nossa taberna.  Franqueava o farnel pelos presentes: bom queijo, puxando à pinga. Não nos coibíamos  de  avançar com o pão, para promover a venda de uns tintos.   E ainda levar o cabreiro a alargar a boca do saco...
-' tá lá?
- 'tou, sim, Felício! Só que se me varreu tudo...Tem dó de mim, não insistas.

Talvez um pormenor te abra a cortina. O teu irmão Rebelana, saboreado o queijo, pedia para se servir dos tetos das cabras. Escolhia-as pela limpeza e volume do amojo, deitava-se no chão, de boca aberta, para sorver o esguicho.  Até fartar. Gabava-se de saber ordenhar todas as fêmeas, mesmo as que muito longe ainda estivessem do aleitamento.
 - Pois. O meu irmão que Deus tem era de apetites...Tinha sempre a goela seca, vinho, aguardente,vinagre, tudo escorria.... Já lá está há vinte anos… Mas olha que até isso se me passou. Cabeça a minha!

A mulher convenceu-o a ir ao médico, pedir medicamentos para a memória. Umas cápsulas... Dinheiro deitado á rua, desistiu. Ao menos poupem-se uns euros.

E das sombras da Guiné, já se teria curado? Pântano atroz, prefiro não  tocar no assunto.

-Cabeça oca, Felício. Não te zangues comigo. Olha: Bom Ano também para ti e família.

E para mim: haverá por aí comprimidos que me curem?
- Esquece, pá - recomenda o Domingos.