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terça-feira, 30 de outubro de 2012

Paixão grisalha



Aquele francês levou-me a palma, na tabacaria do hotel. Em Marraquexe.
 Na véspera, tinha perguntado à empregada se me arranjava um livro de Tahar  Ben Jelloun. Que voltasse na manhã seguinte. Teria o livro, ser-lhe-ia fácil mandar vi-lo de uma livraria do centro da Cidade. Tomou nota do título.O autor não era muito procurado pelos turistas, ali no hotel. Mas, se não era excessiva curiosidade da sua parte, a que se devia o meu interesse? Sabia eu que as jovens marroquinas devoravam as suas páginas?
Traziam-lhes a ideia de libertação. Da falocracia de pais, irmãos, maridos, namorados... mas também, da repressão uterina de mães e avós, que não é flor do Jardim das Delícias!
 «Sonham com um companheiro que as ame, deixando-lhes intocável a dignidade que Monsieur Ben Jalloun insufla nas suas personagens femininas. Sabe, só agora a maioria das nossas meninas começa a reclamar  amor para o casamento.»
Muito me ensinava a empregada da tabacaria. Em Portugal, sim sou português, o vizinho do norte, já tudo tinha mudado, neste domínio. As mulheres, no salto de uma geração, ficaram senhoras de si. A virgindade, por exemplo, deixara de ser aquela obsessão... E a rapariga da tabacaria contou-me das mães marroquinas a ter de garantir aos pretendentes genros que o corpo das filhas se mantém igualzinho ao caroço da tâmara... Sorrimos.
E mais não diria eu à jovem da tabacaria, embora não me faltasse vontade, atendendo ao sugestivo esconde-esconde da sua djalaba... Sentiria ela o calor da manhã, por baixo daquela leve drapagem de seda branca?

         Não  lhe explicara ainda o motivo da minha preferência pelo livro do escritor marroquino. Havia pouco a dizer. Apenas lera um artigo dele, num Courier da UNESCO. Precisamente, num número especial, sobre o Amor. Ela também lera. A revista vendia-se na tabacaria. A outra razão, foi ter tido um falso encontro com o livro, numa livraria em Paris. O título seduzira-me do fundo de uma montra. Mas era domingo, a loja estava fechada, e eu tinha mais em que pensar. Bem vistas as coisas, já lá iam dois anos. O livro perdera a novidade. «Ah! mas não se esqueceu mais do título?...» Que bonitos olhos berberes!

         Na manhã seguinte, antes de abandonar o hotel, para o meu circuito turístico de Marraquexe, parei na tabacaria. No entanto, a empregada, agora de coleantes jeans e fresquíssimo top, decepcionou-me. Não pela graciosidade, confirmada pela toilete alternativa, mas por ter vendido o livro a um senhor francês. A um francês?! Não me diga que nos confundiu? De modo nenhum. Se alguma coisa tinha em comum eram os cabelos brancos. Queria ela dizer grisalhos, eu que desculpasse. Por ter ficado sem o livro prometido? Não, por ela ter falado em cabelos brancos. Ora!...

         Fora por um maço de Gauloises, o Francês, topara o livro em cima do balcão, folheara, encantara-se com duas ou três passagens... Em resumo, quase exigira que lho vendesse. Queria voltar ao quarto do hotel, despertar a companheira com a leitura de algumas frases apaixonadas. Então, e só por isso, você deixou ir o livro? É que ele confidenciou estar em verdadeira lua-de-mel, que a sua copine é jovem, sonhadora... Completei para comigo: E o gajo já não tem paleio... Au  revoir, M’moiselle!

         Meia hora depois, encontrei um cinquentão derretido com uma pré-balzaquiana, no hall do hotel. Saboreavam, tête-à tête,  o ‘meu livro’.  Lá estava o título a tentar-me outra vez, como na montra da livraria parisiense. A leitora não era de menor tentação. Ombros esplendorosos. Que inveja não devia fazer à maioria das embiocadas marroquinas.
        
         Praça Jemaa el Fna, duas horas mais tarde. Com toda a sua magia. Mesmo que ficasse aqui o resto dos meus dias, nunca alcançaria o tesouro cultural destas gentes. Deixa lá  os japones gastar quilómetros de filme, desfruta com os sentidos. Contadores de histórias rodeados de garotos, que lhes puxam pela língua; actores de teatro popular, exibidores de cobras e macacos, aguadeiros policromos e estridentes, vendedores de tudo e de nada...

De repente, o calígrafo de escrita voadora. Com seus frascos de henê... Algumas jovens turistas deixavam-se tatuar na fronte, nas mãos... Como as mulheres berberes. Mensagens de desejo, anúncio de coração livre... Aquilo passa, a tinta sai, ao fim de três dias, explicou-me um dos muitos circunstantes, sem parar de mastigar um pau de alcaçuz. E de enxofrar o olho para as clientes do calígrafo. A tinta sai!

Espera aí, mas... aquele é o Francês mais a estátua semovente, que  andam a excitar-se  com o ‘meu livro’...

         Exacto. A jovem também pretendia oferecer-se ao afago do calígrafo. Delirante, sentou-se no banco, à frente do artista. Parece que tinham  combinado lavrar, a henê, uma mensagem, na sua pele apetecível. Ela oferecia o ombro, imóvel, cheia de sol. Redobraram os olhares lazarentos dos machos marroquinos, apertando o círculo.
O artista e o companheiro da jovem procuravam qualquer coisa no livro. No meu livro! Ia o calígrafo copiar palavras de Ben Jelloun?  Evidente. Trato feito, cálamo em voo tangente. Aproximei-me para ler.
Querias! Um dístico em caracteres árabes torneava o ombro da jovem. O que estaria ali escrito? Traduziu-me o mastigador de alcaçuz: … est toujours le dernier.

 Do título do livro de Tahar Ben Jelloun: Le premier amour est toujours le dernier. O livro que eu não conseguira comprar em Paris.
 Andei o resto do dia, em Marraquexe, a ironizar sobre a paixão grisalha do Francês. Depois, apaguei o episódio, durante mais alguns anos... A tinta sai!



 Sem procurar, encontrei, ontem, o livro de Ben Jelloun, na Fnac do Chiado. Afinal era de contos, e não poesia como eu julgava. Agora ou nunca. Antes de me dirigir à caixa, reparei, não estivessem ali o Francês e a sua tatuada copine...
         Comprado! Leio e releio: Le premier amour est toujours le dernier... Et le dernier est toujours rêvé...E último é uma sonho, uma sombra, do primeiro. diria eu.
        
                            Sintra, Novembro de 2000


quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Mo Yan Nobel da Literatura

De momento, mais não sei sobre o Nobel da Literatura. E ciência recente, reconheço humilde. Tenho, terei mesmo?, um ano para mais aprender sobre MO YAN. Aqui me fica também a minha homenagem ao anterior Nobel, Tomas Tranströmer, a quem voltarei  sempre,com muito gosto. JB



El camino que he elegido para acercarme a un pais, a una cultura… para aprender y comprender su historia, sus porques es la  literatura. Y en mi camino hacia China me he encontrado con este escritor Mo Yan y su novela Las Baladas del ajo… la  crudeza y el  lirismo de esta historia me ha conmovido como hace tiempo no lo hacía ninguna novela.

  Mo Yan 莫言  nació en Shandong, China, el año 1955.  Os dejo su voz

“Mo Yan no es mi verdadero nombre, yo me llamo Guan Moye. Elegí ese apodo, que significa No hables, en recuerdo a los años en los que no podía dirigir la palabra a nadie (…) Eran los tiempos turbulentos de la Revolución Cultural (1966-1976), en los que había conflictos entre la gente de mi pueblo todos los días. Mi padre era agricultor, pero mi familia tenía una posición desahogada, y tenía miedo de que dijera algo inconveniente y trajera la desgracia a los míos. Así que me dijo que no hablara y que aparentara ser mudo”.

 ”Mis recuerdos están repletos de soledad y hambre. La década de 1960 fue muy difícil en China. Pasaba todo el día en el campo cuidando de las vacas y las ovejas, mientras los chicos de mi edad estudiaban y jugaban en el colegio. Había veces que no veía a nadie en todo el día”.

Cuando tenía 18 años, el joven Mo entró a trabajar en una fábrica. La mitad del tiempo era obrero, y la otra mitad, campesino. Hasta que, en 1976, intentó entrar en el Ejército. “Era la mejor forma de tener una buena vida. Pero había un límite de edad, así que mi familia cambió mi fecha de nacimiento, y puso un año menos. Entonces, hacer esto era muy fácil, ya que no tenía partida de nacimiento. Por eso alguna gente piensa que nací en 1956″.

Un campesinado empobrecido hasta la miseria y sumido en la ignorancia, en la brutalidad es maltratado por la rígida burocracia sin misericordia. Fragmento del capítulo donde Gao Yang consigue llegar con su mujer parturienta a un centro de salud… en mitad de la nada en la oscura noche. Hombres y mujeres en fila ante el destartalado edificio  esperan su turno para dar a luz.

UNA DOCTORA  vestida de blanco apareció en la puerta, con las manos protegidas por unos guantes de goma que le llagaban a la altura del codo, por donde resbalaba, principalmente, un reguero de gotas de sangre. El hombre corrió a su encuentro

-          ¿qué  ha sido doctora?

-          Una niñita

Al escuchar que era padre de una pequeña, el hombre se tambaleó un par de veces hasta caer de espaldas, golpeándose ruidosamente la cabeza contra las baldosas, que dio la sensación de romper.

-          ¿qué problema hay? – comentó la doctora.-  Los tiempos han cambiado y las niñas son iguales que los niños. ¿De dónde proceden los hombres si no es de las  mujeres?¿O es que salen de debajo de una piedra?

Lentamente, el hombre se puso de pie, como si estuviera en trance. A continuación, comenzó a gemir y a sollozar, como si estuviera loco, y acentuaba sus llantos con gritos de reproche:

-          ¡Zhou Jinhua, maldita mujer inútil, mi vida se ha arruinado por tu culpa!.

Sus gritos se unieron a los sonidos del llanto que se escuchaba en el interior: Gao Yang pensó que se trataba de Zhou Jinhua. La ausencia de llanto del bebé le desconcertó. Jinhua no habría sido capaz de ahogar a su propio bebé ¿Verdad?

-          Entra ahora mismo – ordenó la doctora – y ocúpese de su esposa y de su hijo. Hay más personas esperando

El hombre se puso torpemente  de pie y se arrastró hacia el interior. Unos minutos después salió con un fardo en la mano

-          Doctora – dijo mientras se detuvo en el umbral de la puerta – ¿conoce a alguien a quien le gustaría tener a una niña? ¿Podría ayudarnos a encontrarle un hogar?

-           ¿Pero es que en vez de corazón tiene una piedra? – preguntó enojada la doctora – Llévese a su hija y trátela bien. Cuando cumpla los dieciocho años puede conseguir al menos diez mil por ella.