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domingo, 1 de março de 2015

PRENDA BRECHTIANA

Acordei de pernas para o ar. São mesmo 71? Essa agora; são apenas 17.

Console-me aquela desculpa de que ninguém tem a mínima sageza aos 17 anos. Idem, digo eu, se fizer o pino aos algarismos.

Por necessidade de  reencontrar  acontecimentos de 1961, tinha eu,  aí sim, os meus sisudos 17 anos, dei comigo a carrear para aqui sabedoria de Brecht.

Que reparto com quem, de boa memória e coração gentil,  hoje me telefonou.

Obrigado.





"Todas as artes contribuem para a maior de todas as artes, a arte de viver."

Bertold Brecht



"LOUVOR DO ESQUECIMENTO

Bom é o esquecimento.
Senão como é que
O filho deixaria a mãe que o amamentou?
Que lhe deu a força dos membros e
O retém para os experimentar.

Ou como havia o discípulo de abandonar o mestre
Que lhe deu o saber?
Quando o saber está dado
O discípulo tem de se pôr a caminho.

Na velha casa
Entram os novos moradores.
Se os que a construíram ainda lá estivessem
A casa seria pequena de mais.

O fogão aquece. O oleiro que o fez
Já ninguém o conhece. O lavrador
Não reconhece a broa de pão.

Como se levantaria, sem o esquecimento
Da noite que apaga os rastos, o homem de manhã?
Como é que o que foi espancado seis vezes
Se ergueria do chão à sétima
Pra lavrar o pedregal, pra voar
Ao céu perigoso?

A fraqueza da memória dá
Fortaleza aos homens."

Bertold Brecht, in 'Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas'
Tradução de Paulo Quintela 
     

 

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Puxa, puxa, a vassoura da bruxa


Mensagem da Marta, no telemóvel:

«Avô, compras-me uma vassoura? »

Vamos lá tirar isto a limpo:

- Está, Marta?....

O que eu calculava. Vassoura de bruxa, quer mascarar-se na festa da Escola, amanhã sexta-feira. Vão desfilar pelas ruas de Sintra, antes da pausa do Carnaval. A mãe já lhe comprou a fantasia, só falta a vassoura.

E que posso eu fazer hoje,  neste dia a que a bisa Maria chamava quinta-feira de compadres?

Também havia uma  quinta-feira das comadres, ou seja, a penúltima antes de Terça-feira Gorda. 

-Não, Marta não vou maçar-te  com mais histórias da bisa. Quando um dia quiseres saber delas, já não terás modo de mas ouvir. Vamos à vassoura…

Então não lembro, menina, quando lengalengava contigo, para que comesses mais um colher de sopa: Puxa, puxa, a vassoura da bruxa!

Uma vassoura à  medida dos teus desejos, e dos meus, se possível .

***

Comecei pela loja dos chineses. Plásticos e mais plástico! De palha, já não  se fabrica. Quantos milhares de chineses vassoureiros  terão, entrementes, perecido sem deixar notícias da sua arte? Fez-se-me luz: e esteiras, têm esteiras? Desfeitas , forneceriam junco para a vassoura. Seria apenas uma questão de trabalho. Todavia:

- Só esteilas  plástico!

Não cedo. Ainda me resta a hipótese da drogaria, a última cá do bairro.

 

Já me custa subir esta calçada da Rinchoa, Marta. Ainda ontem por aqui andei a saltitar com a tua mãe e tios. Dava-me jeito ter agora à mão aquele meio cajado de madeira que, há uns tempos, eu destinava a futura bengala.  Está lá em casa, atrás da porta. E agora acabou-se: será cabo da tua vassoura. Tem altura e espessura ideal para o efeito.

Continua a faltar o principal, Marta. Aqui na drogaria, loja de ferragens, tintas e muitos desnecessários  etcs, há tudo, menos a vassoura ideal ou material para a sua feitoria. Não, não vou comprar-te aquele vassourão de piaçaba. Além de não poderes com ele, há de destoar com o teu vestido, vestido que ainda não vi, entenda-se.

 

Não se perca mais tempo. O que nos reserva a solução artesanal? Há um cabo, herdei o saber-fazer mas falta a palha. Que tristeza, nem um maço de ráfia se vende na drogaria dos etcs.

E a ráfia? Cujo último fornecimento fora adquirido, dias antes, por um cliente para enxertias, carregou-me no interruptor.

À falta de barbascos, ineixas ou giestas, com que se varriam pátios quintais e eiras, temos substituintes no quintal da vizinha Ana.

 

«Já está. Gostas,  Marta?» Foto em anexo.

Respondeu-me no fim das aulas:

- Iá, avô, tá o máximo. Que folhas são aquelas, pergunta a mãe.

Ramitos de cana da India misturados com folhas de iúca.

Tudo muito bem amarrado ao cabo, como fazia o bisa António. Com várias voltas de arame de zinco.

- A corda que se vê por fora é só para enfeitar, Marta…

- Beijinho, avô!

Ah se eu pudesse repartir esse beijito com quem me ensinou a fazer vassouras, quando eu tinha oito anos como tu.