Isto vai ser um acréscimo à Escrevivência 16. Para me libertar das sombras do trisa Emídio, sempre apoiado no que ouvi ao meu pai. No seu testemunho de menino, nos recontos que lhe repisaram.
Comecemos pelo casamento da nossa tia-avó Piedade.
Francisco Hipólito levaria, um sábado, a filha ao altar, como já tinha acompanhado a Gertrudes e a Otília. Ou sejam, as minhas avós materna e paterna. Confiara a Gertrudes ao Joaquim Marona e a Otília ao António Henriques Beja, um Caréu.
Piedade casou com João Pena. Oficialmente nesse sábado.
Mas as coisas não foram assim tão simples... !
Estavam de serviço os funcionários do Registo Civil. Pontuais e zelosos no cumprimento republicano das novas incumbências de anotar quem nasceu, se consorciou, desquitou... Ou viajou para a terra do Nada. Porém o Padre...
Pela Quinta dos Pinheiros, aguardava-se o regresso dos noivos. Aprontava-se a boda.
Algazarra!
O rapazio, postado de sentinela no entroncamento com o macadame, avistara as carroças do lado de Santarém. Irrompeu pela azinhaga abaixo até ao casal do tio Francisco Hipólito.
- Já aí vêm! Estão a chegar!
- Estão, quase , ti' Emídio!
Serpa Pinto ficara a cuidar das suas ervas . Na certeza de que a neta viria abraçá-lo, mal saltasse do estribo da carroça.
Piedade ocupara-se sempre do avô. Ia procurá-lo à horta. onde o velho perdia horas em bravatas com os Antigos... E quem eram eles, os Antigos? «Gente que tu já não conheceste, filha!» Acompanhava-o, em garota, para além do valado do casal. Com ele aprendera das ervas e dos pássaros.
Entraram no pátio as carroças com os noivos. E ficou no ar a pergunta: Por que vieram com tanta antecedência?
Os noivos sorridentes, abraçados ao Avô Emídio. Palmas! Corrupio para a casa do forno. As coisas estavam atrasadas. Fosse porque fosse, tinham chegado mais cedo.
Bem, a mesa já estava posta, à sombra das figueiras.
- Vivam os noivos! Confeitos! Confeitos! - berravam rapazes e raparigas.
Tinha ali "parido a galega"!
E confeitos não lhes faltaram. arremessados às mancheias, para o chão. Que se arrepelassem na disputa da colheita. Até no meio dos bonicos.
Ah! Mas não vamos falar dos comes-e-bebes nem de cantorias, dichotes, vivas e pulhas. Ouçam a música e envolvam o pé no baile.
Que até o Avô Emídio deixou o arrocho em que se apoiava, para ir buscar a noiva. Festa é festa! «Arrebenta aqui a nossa alegria!», berrava uma velhota.
- Mas o que tens tu rapariga?
- Já vai ver, Avô.
Não demorou muito a saber-se.
A porta da igreja estava fechada. E pelo sacristão chegara o recado do padre. Teriam de voltar no ia seguinte e assistir primeiro à missa. Não era isso o combinado!
Ora aqui começava o desentendimento na família Hipólito. O pai repetia que já estavam casados. A Lei! Clareza republicana, asseverava Francisco Hipólito.