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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

  

ESCREVIVÈNCIAS  

(2ª SÉRIE)

 2. Trabuzana de maio

Medieval era também o nome de todo o atalho, entre quintas e casais. Azinhaga da Besteira. Dos besteiros. Por ali estanciaram as guardas avançadas do burgo de Santarém, acrescido garante de tranquilidade, quando a corte retirava para o paço de Alcanhões.

Que razões teve o rei D. Manuel para apagar os aposentos dos seus antecessores? No entanto, o povo manteve o nome da Mata de D. Jorge, e mais não colheu da passagem do Príncipe Perfeito.

Do cruzamento do Carreiro do Caracol com a azinhaga, avistam-se dois sítios relacionados com a logística e estratégia militar do passado: a Quinta da sobredita Besteira e o Cabeço da Torre. Deixemos bestas e besteiros. Rumo ao sul!

.Já vos digo como o carreiro do Caracol tem a ver com a nossa Escola da Portela. Pois então! Carreiro do Caracol era a designação local de uma extensão da Linha de Água. Ou seja, do grande aqueduto do Alviela que, dos Olhos de Água, fornecia Lisboa. Entre o caminho por onde singramos, e a parte da quinta de Vale de Lobos, contígua ao Cervato.

 Do Caracol, devido ao ziguezague da senda pedonal para se vencer o acentuado declive onde o aqueduto ascendia soterrado.

 Volta à direita-volta à esquerda, encorajava as pernas. Mesmo as mais pesadas. Para os garotos descer numa corrida era o desafio. Sustendo a velocidade, para não rolar  em nenhum dos cambos do carreiro. Falhar significava ir às reboletas até ao fundo da encosta. E ouvir as vaias dos adversários.

No cimo  do carreiro, havia uma guarita em alvenaria com porta de ferro, que eu nunca tive a sorte de ver aberta. Cheguei a desandar com o fogo no rabo,  de casa dos meus avós Maronas, nos Casais da Labaça, porque alguém anunciava que o cantoneiro tinha a porta da guarita aberta. Rebate falso, zombaria, reles   intrujice?   A atracção residia no facto de se ouvir a força da água no interior do aqueduto, contudo só alguns tinham tido o privilégio de obervar o caudal  que, dizia-se, ia dessedentar Lisboa. Alto jogo!

Digam lá:  Sabiam que as professoras Angélica de Figueiredo Marçal e uma irmã, docente em Alcanhões, se visitavam amiúde, deslocando-se pela senda da Linha de Água? Ambas se faziam acompanhar por alunos, sobretudo pelos mais batidos no calcorreio daqueles ermos cabeços e encostas. Guardar gado, apanhar erva para os coelhos, lenha, ninhos… Para não falar da ajuda nas tarefas agrícolas mais pesadas, pois o trabalho do menino é pouco... mas quem o perdia era louco! Ai das crianças!

Neste caso de acompanhamento das senhoras professoras, não tinham tarefa árdua. 

Árdua era   a da minha mãe. A quem, desde muito cedo foi roubado o direito, o actual direito, de brincar, de não ser objecto de exploração laboral.

 Nascida em 1911. Antes do fim da década, já a minha mãe tinha uma enorme responsabilidade como capataz das camponesas que trabalhavam para o seu pai. O trabalho era a sua escola. Apenas nos períodos em que este abrandava, o meu avô permitia que a filha frequentasse umas mestras particulares, em S. Pedro, com quem aprendeu a soletrar e uns rudimentos de escrita.

 Pois, teria sido em Maio de 1919, que esta situação se alterou um pouco. Quando apareceu, nos Casais da Labaça, a senhora D. Angélica. Chovia se Deus a dava… 

(revisto em 21-02-2022)


Nota de publiação

Os textos desta série não são originais.  Foram por mim publicados num blogue de grupo dos Antigos Alunos de uma escola primária, nos arredores de Santarém. De onde os retirei, para arquivo pessoal, por razões que não vêm ao caso, Nunca foram renegados. sempre lhes tive afeto.

Daí que, passada uma duzia de anos, os deposite neste painel, para não caírem já no esquecimento. Gostaria que fossem merecedores de leitura, pelo menos por parte das minhas netas e dos meus netos.



Tarde de brusca trovoada. O céu a desfazer-se em água. Chamavam ao portão do casal dos Maronas. Gritaria infantil. Encarapuçada  com uma saca, correu a minha mãe a abrir aos aflitos. Era a D. Angélica. Pedia abrigo.

 



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