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terça-feira, 26 de abril de 2022

ESCREVIVÊNCIAS 2.11 Os Direitinhos

A SEMENTEIRA

Na Quinta dos Anjos. Manhã de Inverno, talvez 1948-49. Frio e nevoeiro. 

A Ilda Direitinho, ainda solteira, era , por morte da mãe, Justina, a governanta da casa.  Mandou o irmão Fernando levar o almoço ao outro irmão, mais velho, o Mário Olho-de-Vidro, que andava na sementeira do trigo. 

Os Direitinhos viviam num quintal colado ao nosso. De muito pequeno, perdido-e-achado, era com eles que me distraía. E se surgia a oportunidade, logo me punha a caminho com aquela boa gente.

 Com o Fernando, entrámos  na Quinta, para o lado da eira, na folha  da Mafarra. 

De onde guardei, até hoje, imagens  da grande lavoura do  Caldas. Aliás do senhor Caldas! Respeitinho  era bonito!

 O trator, sempre conduzido pelo Joaquim Caetano, várias juntas de bois que gradavam, dois semeadores…

Parecia que a névoa apagava os semeadores,  sempre que se afastavam ; para os devolver,  nítidos, tempo depois. Quando retomavam a nossa direção e vinham reabastecer o saco sementeiro.

Enquanto eu os não avistava, disse-me o Fernando....

- Chamavam-lhe o Palã. Por ser claro  e diverso na conversa.  Paleio! -

... que aqueles homens andavam a semear trigo, nas nuvens!

Não me convenceu! Então, chamou-me perto  dos  bois e mostrou-me o vapor saindo-lhes das narinas. Aquele “fumo”, o nevoeiro e as nuvens eram tudo a mesma coisa, explicou. Bolinhas de água! 

Encolhi os ombros, indiferente a tanta sabedoria .

Empurrado pela friagem da manhã aproximei-me de uma fogueira. Alguém pusera pinhas ao calor, para soltar os pinhões. Atraído pelo aroma, tentei forçar a abertura das escamas de uma infrutescência.

 Ai! Queimei-me. Pior, fiquei com as mãos manchadas de resina, enegrecida pela poinha negra das sementes. E agora? 

Obrigaram-me a retomar o caminho de casa, de braços abertos, para não sujar a roupa. 

Foi a Ilda que, com um trapo embebido em petróleo, escorrido da torcida do candeeiro, me fez a primeira limpeza. Incompleta, para poupar.

O petróleo continuava caro e escasso.  O candeeiro era um luxo. Acendia-se excecionalmente, naquela casa. Bastava a candeia, aproveitando o  azeite  das frituras.

 De mãos limpas, já podia seguir para casa. Para ouvir ralhete por ter mexido onde não devia. 

Como se as crianças fossem estátuas!



O Casamento

A Ilda e o Joaquim Caetano casaram na capela dos Anjos. Fui assistir, a convite da noiva.  A minha mãe , fazendo das tripas coração,  confiou-me ao Coquelim.

 Com o encargo de me trazer de volta logo que a cerimónia acabasse. Que tivéssemos  juizinho, sobretudo ao atravessar a estrada, no Alto da Portela. Não era a primeira vez que me chamavam a atenção para o perigo de atropelamento naquela passagem. 

Eu andaria pelos cinco anos, o Coquelim teria aí uns dez. 

Após a cerimónia, o meu acompanhante esqueceu-se do compromisso. Virou costas e partiu, rumo à Besteira, com um bando de catraios mirones: um Toino Rocha, o Pampo e o Luís Pedro do Pagante , o Toino Bacalhau, o Nicolau da Sapata… Ah! E o Rebelana

Chegam, por hoje... Malta brava. Sombras, não mais.

 No alvoroço de calaceirar, sem convite, o copo-de-água. Sempre haviam de lhes atirar algumas sobras. Uns nacos de pão com carne. umas aparas dos bolos-ferradura, confeitos...

Corriam pela ladeira do Cabeço abaixo. Eu protestava: que não me deixassem para trás! Em vão. Sabiam que não me ia perder Por assim dizer, já estava em terreno da minha família.

 Quando a minha mãe me perguntou, se tinha ido dar o beijinho aos noivos, se gostara do que vira, respondi pela positiva. E avancei um pedido de esclarecimento:

 «Ó mãe, o que é que o Coquelim disse que os noivos vão fazer esta noite?» 

Não fui respondido!! 

E ainda ouvi ralhar.

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