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terça-feira, 10 de maio de 2022

ESCREVIVÊNCIAS 2.14 À unha! De caras

 

À unha! De caras!

O Marino, disposto a dar uma bem-vinda mãozinha escrevivente, nas estórias da Quinta dos Anjos. Instado pelo Alfredo.

Convicto, este, da minha completa ignorância, quanto a um pormenor da vida do Joaquim Caetano.  Meu já declarado amigo de infância e tratorista da Quinta.

Só faltava agora sabermos  tudo sobre a vida dos nossos amigos, meu irmão!


E o Alfredo invetivando-me:

 «Sabes tu, sabes tu de quem é este castelo?»

 Essa não!…Era de outra lenda. Lá para os lados de Barcelos.

 Peço desculpa. Em tempo, se corrige:

 «Sabes tu, como começou a promoção a tratorista do Joaquim Caetano?»

Contorci-me. Em branco, menino! Não sei, não vi, não estava lá.

Nunca, o mano Alfredo deixa sem resposta:  

«Ainda bem que lá não estavas, teria sobrado também uma cornada para ti. Conta lá, Marino!»


*


«Muito antes do Braga, que se arruinou nos amanhos da Quinta das Trigosas, esteve lá o João Caldas. Lembram-se?

Rendeiros.

Mas isso  já eu aduzi, metendo lavoura escrita na Texugueira, empoleirando, no valado da Oliveira Santíssima, a santinha da minha avó Gertrudes. Sem desfazer em mais nenhuma das outras avós do mundo. A berrar pelo neto.

Só que  a tal promoção do Joaquim Caetano dera-se uns anos antes. O mais certo até,  antes de eu ter nascido. Quando?...e o que é que isso importa!

Marino acredita, pela atenção do concílio dos primos, que a curiosidade rebenta.  Estávamos à mesa os netos da avó Otília, do avô António Caréu.

Então foi ele, Marino, com sete/oito anos a ouvir a gritaria da vizinha  Sapata... No sitio do Canto. Aquela nesga de modestas habitações, entre as Trigosas e o Casalinho.

 Que levavam ali, enrolado numas sacas, deitado e desmaiado ou morto, sabia-se lá, um rapaz boieiro do Caldas.   No lastro de um carro de bois. A caminho do hospital. Nunca mais lá há de chegar, se não vierem os bombeiros. 

Entrementes, alguém teria ido por eles, de bicicleta.

*

Joaquim Caetano. Por azedumes. Com um dos bois da junta que lhe fora atribuída. O boieiro recorrendo à aguilhada por dá-cá-aquela-palha, o bicho respondendo tão-só com olhar turvo.

Cada vez mais bistre e sanguíneo. Quem é que sabia ler o olhar de uma animal que até ali fora a pachorra, a moleza da lama,   a todas as vozes de comando. Sem castigo nem ralhos. Sem desconfianças de parte a parte. Ao tirar e pôr a canga ou a soga. Atrelado ao charrueco,   à grade, ao lamego, ao carro. A quatro ou de singelo.  

 À manjedoura nunca o bicho passava sem retribuir cuidados de postura alimentar ou de cardoa,  lambendo as mãos ao tratador.   Boi e boieiro como irmãos. Salvo seja. Até que… E vá-se lá saber a razão. Assim pode começar uma guerra!

 Verão, fim da sesta. A junta de bois remordia, por desfastio, uns ramos de freixo, pelas sombras, na frescura das várzeas da Ribeira Grande. Joaquim Caetano amodorrara um pouco para recobrar forças. Mas,

Ao trabalho! Era preciso voltar a meter os animais ao carro regressar à Quinta dos Anjos.  

Nesse momento. O boieiro teve a certeza: aquele bicho estava a pedi-las!. A coisa tinha de ser tirada a limpo. À unha! De caras!

Contava-se, depois do acidente, que o Caetano, sem se aperceber da gravidade, mudara o nome do animal. Três anos seguidos, Doirado isto, Doirado aquilo. Companheiros de trabalho, jorrando suor para a bolsa do mesmo patrão.  

Mas quando o animal se firmou em desafio. Na Ribeira Grande, já está dito. Bateu-lhe as palmas, o boeiro. Fez peito e saltitou. Eh Boi! 

«Eh Mal-capado!».

 Duplo e feio insulto. Tanto atinge o machorro como o emasculado. Ouvido por boi, nem por isso obriga a perdão ou desconto. Mesmo boi manso, pisado de trabalho. E já esquecido da pancada do malho, com que o do ferrador lhos moera. Pois é, mas tudo tem os seus limites.

É preciso chamar os bois pelos nomes, Joaquim Caetano. E tu devias saber isso desde os tempos de menino, lá em Óbidos. Quando com os da tua idade tocavam as juntas, para dar aos barcos aquilo que areia da praia lhes roubava. Movimento. Muito antes de chegares à Quinta dos Anjos.

Este boi não teria trapio nem cornamenta para ti? Cuidado!

Logo, o bicho se soltou da soga e levantou a cabeça. Ainda te dava uma oportunidade de corrigires. Cerejo, Ramalhete, Doirado, Cabano, Trigueiro, Formoso, Salgado, Castanho … eram nomes de boi. Quem não se lembra? E os bois gostavam de ser chamados pela sua graça. Só que, só que foste longe demais. Repetiste: 

Mal-capado!

Corrida breve para acolher o impacto. A tua última, sem perna desnocada. Vamos … Vai-te a ele. Embarbela-te, homem. Aguenta o derrote. Torce-lhe a cabeça, caraças!

 

Foste sacudido. Marrado, pisado… O Marino até garantiu que mordido! 

Não será fantasia, relato de rapazola de sete anos há-de ter seu fundo de verdade.

 E um remate a preceito: por fim, atirado ao ar!

Caiu o boieiro como uma pedra. Baque!

Tranquilo, o boi regressou aos ramos dos freixos. Por desfastio.

O resto já se sabe. Hospital, milagre dos médicos e das irmãzinhas da enfermaria.

Sobretudo, o bom coração da senhora D. Maria Romana. Insistindo para se conseguir a decisão soberana de João Caldas. Manter o Joaquim Caetano ao serviço da Quinta. Mandando-lhe tirar a carta e comprando um trator. 

A Nação precisava de trigo. E do suor do povo. Mandava o Chefe. 

Olá! O senhor dos Anjos era dele  incondicional

*

Tudo isto estava fora do meu conhecimento, Amigos!

 Obrigado, Marino e Alfredo. Aqui temos um trabalhinho de equipa. 

De facto, tratavam o Joaquim Caetano por Coxo.

 

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