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sábado, 22 de agosto de 2009


A despedida do texugo
Santarém. Hospital. Cumprir uma obrigação, em nome da vida. Despedir-se de um parente. Conter lágrimas e remexer memórias, sem revoltas nem comiseração. Declinar que no tempo da infância, quando o mundo era verde... E ouvir que sim senhor, lá iremos um dia descobrir onde se escondeu o texugo.

Apesar de encurralado, o bicharengo escapulira-se pelas dezenas de galerias da encosta, amoitara-se no Casal de D. Jorge ou driblara para os coutos de vale Lobos e Comenda. Onde a perseguição era mais selectiva. Para, na noite seguinte, voltar a mofar de quem trabalha, rilhando as maçarocas do milheiral, nas chãs do Cervato. Décadas antes de toda aquela vista ter sido viadutada pela fúria da A1.

Naturalmente que se evitou falar da A1, má vizinha. Quem se livra de um mau vizinho?, perguntava ele, furioso e já derrotado, nesse antigamente. Até que se conformou com a passagem da autoestrada. Foi uma facada no olhar, quase lhe levou o herdado poiso da família e gados. À beira da cama de um moribundo evitam-se charlas sofridas. Sobretudo cala-se a evidência . As estradas nunca nos devolvem idênticos.

Todavia, atrevemo-nos a umas gargalhadas, na certeza de que o texugo, que se nos escapou há quase um moio de anos, ainda se há-de vir despedir do velho. Ofegante, compromete-se. É só por um afago nas listas do lombo, já não lhe quer arrancar a pele. Longe vai a vaidade das golas de samarra. Pois sendo assim, "Ele volta!", concedemos com a voz embargada. Pela máscara de oxigénio do doente e pela nossa contagiante emoção . Há-de voltar. Breve.

Está na hora. Despejo das visitas, exige o pessoal médico. Nem forças já lhe restam para abraçar. Só que ninguém lhe tira da ideia que o bicho acaba por tornar. Confirmem-lhe mais uma vez. Além, na encosta do Monte, por entre as oliveiras que ainda se oferecem às janelas do hospital. Quem sabe?

Então não te deixes adormecer, velhote. Ou melhor, dorme porque estas coisas acabam por ser sempre verdades de sonho.
Nota: este mesmo texugo também há-de ter a ver com a loucura final do meu amigo Rebelana. A seu tempo falaremos.

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