ESCREVIVÊNCIAS 2.
5. Há muito buraco destes… Oh, se há!
A escola onde andávamos…. – Contava, António, o meu pai, em 1979[1]- ainda existe: […] é um prédio de primeiro andar, à beira da Estrada Nacional nº 3, construído no terreno que foi dado pelo Sr. Caldas […] em troca da reprivatização da Capela dos Anjos […], situada dentro da sua quinta […
A escola, na época em que lá andámos, estava um bocado mal arranjada: durante muitos anos ninguém a caiou, nem lhe pintou o portão, nem a vedação; dentro da sala de aula havia um sítio de onde tivemos de arredar as carteiras porque o soalho abateu para a caixa-de-ar[2]·.
As limpezas éramos nós, os garotos, que as fazíamos mas os arranjos não estavam a cargo de ninguém e o prédio ia-se estragando aos poucos. […]
A aula era no rés-do-chão e, por cima, moravam os pais da professora visto que ela própria optara por ir viver na residência a que o marido tinha direito ali perto, na Escola Agrícola. A nossa professora era a Sr.ª D. Angélica; era muito rija, dava reguadas com fartura (sempre íamos aquecendo as mãos, já que lareira não havia) mas ao fim todos aprendiam (quem não ia a bem ia a mal). Esta senhora foi professora na Portela durante muitos anos (os nossos filhos ainda foram seus alunos; está reformada há muito tempo mas mantém-se lúcida; reunimo-nos com ela no ano passado para uma homenagem. Dos antigos alunos que estão vivos juntámos os que pudemos (vieram centenas […] fomos todos à velha sala de aula para inaugurar uma placa de mármore com palavras de agradecimento à professora e à escola. Nessa altura a Sr.ª D. Angélica disse que se pudesse voltar atrás na sua vida de professora teria preferido os métodos modernos e teria posto de parte a régua do antigamente. Sobretudo os que vivem longe da terra gostaram muito de voltar, naquele dia, à nossa escola. Se a tivessem arrasado por ser velha, se o edifício já fosse outro não teríamos levado a ideia por diante: não tinha feito sentido pôr uma placa noutra escola que não tinha sido nossa.
No nosso tempo o ensino público era gratuito, mas era costume levar presentes à professora, em certas ocasiões e um presente muito especial depois do exame da 4ª classe. Às vezes a senhora juntava tanta criação e tanta fruta que mandava vender na praça.
Ainda o meu pai:
Fui para a escola aos sete anos: fui companheiro de classe da minha
mulher; ela levava todos os dias, de casa, um tinteiro com tinta, para não se
servir das borras que havia nos tinteiros de lata metidos no meio de cada
carteira; os pais mais ricos compravam tinteiro próprio para os filhos; às
vezes a Maria repartia a tinta comigo. Os meus pais não me compravam tinta, mas
mandaram-nos aos quatro (dois rapazes e duas raparigas) para a escola e lá nos
mantivemos até irmos fazendo os nossos exames.
No meu tempo de escola não havia electricidade na terra e não me lembro de alguma vez termos levado lamparinas ou cotos para a aula, embora a sala se fizesse escura nas tardes de Inverno. Quando chegou a corrente à Portela, electrificaram a residência do 1º andar mas não a parte de baixo, a sala de aula.
Dentro da aula, havia filas de carteiras para os rapazes e filas de
carteiras para as raparigas…Retretes também havia duas, quando chegava a altura
das limpezas, elas tratavam da parte delas e nós da nossa. A água para
bebermos, para as lavagens e para as retretes íamos buscá-la a um poço que
tínhamos na cerca da escola. Era nossa obrigação mantermos cheios os baldes das
retretes e uma talhazinha em barro vidrado[3] que havia na aula e de
que tirávamos água com um púcaro sempre que queríamos beber.
[1] Rectifico a anterior datação. Este depoimento foi colhido em 1979.
[2] O mistério da caixa-de-ar. Quem ia acreditar, no meu tempo, que por baixo dos nossos pés, só havia poeira ratos e baratas?
[3] No meu tempo, o “pote” fora transferido como peça de museu, para o “quarto”.
[4] In BEJA, Filomena , op. cit.
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